ÁRVORES

MEU FASCÍNIO PELAS ÁVORES ME LEVOU A PESQUISAR LENDAS, CAUSOS E VERDADES A RESPEITO DELAS. VOU TENTAR COLOCAR AQUI, UM POUCO DESSA MINHA ADMIRAÇÃO, À HUMILDADE, AO SILÊNCIO E A PRESENÇA DAS ÁRVORES EM NOSSAS VIDAS!



quarta-feira, 4 de agosto de 2010

HESICASMO

Na cidade de Goiás pude aprofundar-me no hesicasmo. Não foi à toa que encontrei um anacoreta, sim... posso chamá-lo de anacoreta. Me reencontrando em cada pedra dos becos do Cisco busquei minha identidade religiosa, os mistérios que habitavam em meu interior, os que me foram fantasmas por muitos anos, foram desvendados em uma tarde, ao conversar com Padre Pedro. Na verdade Pedro de Recroix, nascido nas matas dos Pirineus franceses, na década de 50 do século passado. Veio para o Brasil em 1961. Encontrou seu canto e recanto na cidade de Goiás, ajudou a construir o Mosteiro da Anunciação do Senhor. Escultor nato, suas obras estão espalhadas pelo mundo, mestre no entalhe, eu amava olhá-lo com suas ferramentas (a maioria inventada por ele) esculpindo seus poemas visuais em madeiras de lei.

Mestre intuitivo, foi ele quem me introduziu na arte da contemplação. Foi em 2003, no Mosteiro, num domingo, me deu uma aula sobre o hesicasmo. A arte de respirar em oração. Me recomendou a leitura de O Peregrino Russo, o qual fiz com voracidade. Em três dias. Depois devorei todos da série verdinha, da ‘a oração dos pobres’, foi tudo de bom. Com alguma bagagem sobre o assunto fui conversar com padre Pedro. Ele me ouviu em silêncio. Me passou o livro Terapeutas do Deserto, o li e reli durante dias. Algo dentro de mim estava mudando, em minha respiração, em minha compreensão, em minha rotina. Foi quando padre Pedro me alertou: ‘agora minha filha, sua oração vai ser compassada com a respiração... diga ao inspirar e expirar: Jesus tende piedade de mim’!

Não sei explicar o fenômeno, mas saí dali com a certeza de que iria achar a resposta para aquele ensinamento. Fui para uma feira de livro no salão paroquial, encontrei o que precisava: Escritos sobre o Hesicasmo, de Jean-Yves Leloup. Levei-o para casa. Deitei-me na rede e me permiti a leitura contemplativa. Com o passar dos dias fui fazendo todas as etapas da oração hesicasta. Tracei meu Deserto. Tranquei o portão, desliguei os telefones, apaguei as luzes, nem liguei o computador. Me presenteei com uma entrega total ao ver e ouvir - sem falar. O silêncio de Deus impregnou-se em mim. A cada dia ficava quieta em casa, sem me importar com o mundo, eu era o NADA, precisava me alinhar com o Universo Divino- o TUDO.

Entrar no ritmo de Deus exige paciência. Foi minha primeira batalha... agüentar o silêncio de Deus. Aprendi que a gente não pode fazer silêncio, pelo simples fato dele já existir. Procurava a santidade e sabia que na etimologia hebraica santo quer dizer ‘aquele que se comporta de outra maneira’, como eu fazia aqueles dias, mesmo que apontada pelos amigos e familiares. Não me importei, foi minha segunda vitória. A terceira etapa foi me equilibrar na oração perene: o Kyrie eleison – Senhor tende de piedade, procurando minha aphateia, meu estado de pureza. Desenvolvi todas as fases, passei dias meditando com a montanha Vermelha, me orientando com uma singela flor, escutando a água da fonte, cantarolando com as pombas em cima do telhado do vizinho. Foram dias, semanas e meses. Até que um dia, minha respiração despertou em Kyrie eleison, fluiu normalmente, sem forçar, sem impor. Não sei e não posso explicar, creio que cada um cria uma singular identidade meditativa. Minha felicidade ficou marcada em madeira Pau Brasil, com um coração de pedra vermelha.

Depois de quase três meses de reclusão saí em busca de algo maior. Fui ver padre Pedro. Ele sorriu e me ouviu, quase não falou. Já sabia que isso condizia com os hesicastas. Também  sabia, então,  que ele vivia isolado, em uma casinha mais ao alto, no mosteiro, entre as árvores.  Fui ao mosteiro.

Ali no mosteiro, em seu atelier tinha um poder maior, o dom artístico. Conversamos um pouco, ele não era de muitas palavras, preferia o olhar.

Ao me acompanhar até o portão, no caminho pegou uma das folhas no chão, olhou-a, me disse que a vida só tem sentido quando somos folha, passamos pelas estações do nascimento, juventude, maturidade e velhice, ao chegarmos no outono devemos cair suavemente, aproveitando a brisa, dando adeus à arvore; ao chegar ao solo, em pleno inverno, adubaremos o solo, para que possam germinar as sementes. Lembro-me bem, que naquela época eu entendi todo ensinamento.

Mas agora eu passei pelo ensinamento. Estive em Goiás há poucos dias. Fui visitar o Mosteiro junto com minha amiga Ana Paula. Fiz um pedido especial... ver a casinha onde padre Pedro morou – sim... morou! Ele faleceu há menos de um ano. Nem consigo explicar direito, tamanha minha emoção... a casinha onde ele morou durante décadas, onde ele nunca me permitiu ir, lugar só dele, é todo reforço de sua oração peregrina, de seu hesicasmo. Ao olhá-la de longe, meu coração bateu forte, meu pensamento foi olhar o chão, em cima de uma enorme pedra, várias folhas, mas uma delas era diferente, era ‘a minha folha’! Peguei-a, levei-a para dentro da casa que de tão simples deu-me vergonha de ter bens materiais. No chão não há cama, o colchão é uma tábua e o travesseiro um pedaço de tora de madeira. Coloquei a folha ao lado do tal travesseiro. Orei.


 


A simplicidade desse mestre ainda me fascina. Morreu igual uma folha que cai da árvore. De manhã levantou-se, fez suas orações com os frades, caminhou pelos seus lugares favoritos, almoçou e morreu diante de seus amigos que o levaram para sua casinha.
Um dia contarei as diversas vezes em que esse tão querido padre apareceu, assim do nada, e me auxiliou em coisas que estavam fora de meu controle... conversas para mais tarde.

Minha arte hesicasta em madeira Pau Brasil deixei , na noite em que me mudei de Goiás, na porta de meu amigo Sebastião Curado, vizinho e irmão de coração. Hoje moro em local onde me é difícil seguir os ensinamentos do hesicasmo, mas preciso de, pelo menos uma vez por semana, passar horas em silêncio profundo, sem importar com os de fora, me importando com O de dentro.


Rita Elisa Seda
Poeta, romancista, cronista, biógrafa, fotógrafa e jornalista.
http://www.palavrasdeseda.blogspot.com/

2 comentários:

  1. Rita Elisa!!!!!!!!!!!!!! Nossa!!!!!
    Que profundo tudo isso??????????
    Quanta simplicidade e sintonia com Deus!!!
    Fiquei super emocionada com esse texto!!!!!
    Nossa!!! Quantas vezes rezei desta forma, apenas clamando pelo nome de Jesus....e também pela jaculatória, Jesus Filho de Davi tende piedade de mim, sem saber que seria HESICASMO.....Rita Elisa é cultura, é sabedoria, é religiosidade....é tudo de bom!!!!! rsrsrsrsrssrsrsrsrsrs
    Que experiência, amiga!!!!
    Já tive algumas experiências com Deus em oração, mas nunca como essa que você cita....Você é privilegiadíssima, querida!!!! Agradeça a Deus sempre pelas oportunidades que Ele te concede....rsrsrsrsrsrsrsrs
    Acho que se Deus permitir, um dia um encontro nosso.....rsrsrsrsrsrsrsrsr....conversaríamos horas e horas, sobre a presença de Deus em nossas vidas. Peço a Deus que nos conceda esse momento, pois será dia de graça, de ação de graças, e oração. A cada dia que leio algum escrito seu, minha adimiração, e meu carinho por você aumenta....naturalmente.....Certifico, que nossa amizade não aconteceu por acaso, e sim PROVIDÊNCIA DIVINA!!!!!!

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  2. Silvinha... a providência Divina está em cada minuto de nossa vida. Ser hesicasta foi difícil, mas não conseguir ter o silêncio em minha volta está sendo pior. Aprendi a amar o silencio e a solidão. Nesse processo de contemplação nossos sentidos ficam muito apurados e, com muito mais responsabilidades ao nosso entorno. Sei que um dia vamos nos deliciar com muitas conversas. Acredito na força do amor. Que paz atrai paz, que amor atrai amor, que alegria gera alegria. Você sempre foi uma alegria em minha vida. Aliás, nada na vida é por acaso. Beijos, felicidades e a paz!

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