ÁRVORES

MEU FASCÍNIO PELAS ÁVORES ME LEVOU A PESQUISAR LENDAS, CAUSOS E VERDADES A RESPEITO DELAS. VOU TENTAR COLOCAR AQUI, UM POUCO DESSA MINHA ADMIRAÇÃO, À HUMILDADE, AO SILÊNCIO E A PRESENÇA DAS ÁRVORES EM NOSSAS VIDAS!



quarta-feira, 4 de agosto de 2010

RETIRO DE SILÊNCIO

Eu gosto do silêncio, gosto da solidão. Já se foi o tempo em que eu precisava de uma explicação para esse sentimento. Simplesmente, sou assim. Hoje me questionam a mania de ficar dias e dias sozinha, quieta, sem televisão, sem ler jornal, sem música... até o porteiro do prédio interfona, pergunta se está tudo bem e me aconselha a sair um pouco da 'toca'. Depois desse período de resguardo meus amigos me falam como se eu tivesse perdido um tempo importante na vida. Na verdade, na minha solidão eu ganho mais do que perco, escrevo, leio e penso na vida. As respostas para minha vida... só as encontro no silêncio. Aprendi a praticar meu deserto. Há mais de 10 anos fiz meu primeiro retiro de silêncio. Meu mestre espiritual foi Ignácio Larrañaga. Descobri, nesse retiro, que a oração não é uma troca de favores e nem uma penitência. Oração é, antes de tudo, estar cheia de amor e paz! É viver feliz! E que não devemos procurar Deus, e sim, sentir Deus... porque Ele está dentro de nós. Uma janela abriu-se no porão das minhas ideias.

Depois de alguns anos, precisava de mais respostas. Então, desejei conversar com alguém que fosse anacoreta... verbalizei meu desejo. A resposta veio rápida, no mesmo dia fiquei sabendo de um ermitão que vivia numa montanha no sul de Minas. Soube o nome dele: P.V. (iniciais) e onde morava. Lembro-me bem... já era noite, fui para o quarto, sentei-me na cama, fechei os olhos, relaxei, respirei fundo, pensei... 'P.V. meu nome é Rita Elisa e preciso falar com você'.

Repeti essa frase a noite toda. Não é exagero, não!... Lá pelas 5h30, levantei-me decidida em ir ao sul de Minas. Fui guiando e repetindo em voz alta aquela mesma frase. Cheguei. O dia amanhecia. Parei perto da porteira. Fui até uma casinha branca, olhei pela janela, lá dentro uma mulher lia um livro. Me perguntou o que eu queria. Respondi: 'conversar com o P.V.' . Ela veio até a janela. Sorrindo me informou que ele era anacoreta, não descia da montanha há vários meses, não sabia quando ele apareceria. Desde que ele ficou viúvo fez daquela fazenda um lugar para seus amigos viverem em paz, com casa, horta e criação. Construiu para ele um abrigo no alto da montanha, uma casa simples, passava a noite toda orando, de manhã dormia um pouco na rede, plantava, colhia, cuidava de tudo sozinho. Ninguém tinha permissão para subir a montanha. Olhei dentro da casa e vi um interfone, ela leu meus pensamentos... 'isso ali serve para ele se comunicar conosco, nós nunca ligamos para ele, só em caso de emergência, pra você ter uma ideia a filha e neta dele estiveram aqui dia desses e não ligamos pra ele'. Eu, resignada, agradeci e sai bem devagar. Quase chegando à porteira ouvi um psiu, olhei para trás, a mulher gesticulava me chamando. Voltei. Perguntou o meu nome. Respondi. Ela saiu da janela. Esperei um pouco. Retornou: 'espera um pouco, P.V. acabou de ligar, perguntou se havia alguma Rita Elisa aqui... ele vem te ver'. Meu coração bateu mais forte.

Na minha pequenez algumas dúvidas: como ele ia saber quem eu era?!... aonde eu deveria esperá-lo?!... como ele era?! Aquietei meus pensamentos, não deixei a ansiedade tomar conta. Respirei fundo. Enchi minha alma de paz. Fui para a sombra de um enorme jequitibá. Sentei-me no chão. Fiquei ali por quase uma hora. Levantei-me e fui para a capela. Afinal o P.V. iria conversar comigo na capela, era o mais correto. Num lugar santo. Fiquei na porta. Depois de mais de hora, escutei uma voz ao meu lado: 'Rita Elisa...' Olhei, quase fiquei sem fôlego. Um homem alto, de certa idade. Não posso dizer que sua veste era uma batina ou um hábito. Toda encardida, a barra surrada, desfiada, um cordão marrom de tanto barro, amarrado na cintura. Usava um chapéu de palha com abas largas, preso com barbante. Descalço. Pés empoeirados. Olhei-o nos olhos. Ele sorriu. Me mostrou o jequitibá : 'vamos sentar-nos ali, é melhor, a natureza é um santuário'. Mordi o lábio, envergonhada. Chegando à sombra, ele tirou o chapéu, a cabeça queimada de sol. Ele ungiu minha testa e minha nuca com óleo, junto uma oração em latim. Falou algumas coisas que iam me acontecer, se eu tomasse essa ou aquela decisão. Conversamos. Nos despedimos. Ele completou brincalhão: 'agora posso dormir um pouco... fiquei a noite inteira incomodado, o seu nome toda hora vinha na minha cabeça. Menina... você não deu trégua'. Beijou-me as mãos, colocou o chapéu e saiu devagar. A sensação de paz que me envolveu foi tão grande que até hoje a uso para sossegar minha alma.

Nunca mais vi o anacoreta. Nem sei se continua lá. Tudo que ele me falou aconteceu. Inclusive ele me disse coisas que ri na hora, e depois, muito depois, chorei ao passar por elas. Uma coisa é certa, devemos ter cuidado com o que falamos. Devemos nos calar mais do que falar. Também aprendi que ao oramos podemos ficar num estado de euforia tão grande que oferecemos sacrifícios, dizendo um tudo aguento, como se fosse um tudo posso. Somos humanos. Nem tudo aguentamos, nem tudo podemos. E, Deus, não precisa de sofredores, precisa de vencedores. Cada um deve saber até onde pode ir. Cabe a nós escolher a direção. E... de que forma seguir. Namastê.

Rita Elisa Seda
Crônica publicada no jornal Valeparaibano, quinta-feira, 28 de agosto de 2008.

5 comentários:

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  2. Rita Elisa, que experiência maravilhosa, amiga!!!!
    No Silêncio Interior Deus nos fala. Deus opera em nós, no silêncio. Deus se manifesta também no silêncio. É no silêncio que podemos ouvir a gloriosa voz de Deus. Realmente só em nosso silêncio interior podemos ouvir a voz divina. E quando adentramos em nosso interior, muito mais vamos comungar com o Deus de nosso coração. Vozes em oração podem ecoar, em direção ao Trono da Graça, no entanto, é preciso que Deus fale. E no silêncio, Ele manifesta a sua Glória.
    Há momentos em que precisamos silenciar os nossos lábios e o nosso interior, valorizando-os para escutarmos de Deus o que é essencial e edificante para a nossa vida.
    São muitas as vozes que falam em nós, mas a que deve nos guiar é a voz do próprio Deus, que sempre nos fala diretamente ao coração, sem o barulho das palavras.
    É preciso aprender respirar, para que esse silencio em nosso interior possa produzir melhores frutos.
    Na agitação do nosso dia a dia,
    silenciar nem sempre é fácil, temos a tendência de sempre agir, responder frente às situações e até diante as injustiças e incompreensões, mas o Senhor nos chama a silenciar o nosso coração, e a respondermos com o silêncio, com a oração, deixando que Ele atue por nós. Eis um grande segredo espiritual, exemplo a ser seguido por nós, viver o silêncio de Maria, o qual é um silêncio orante, sendo o silêncio fundado na confiança plena no Senhor, esperando que Ele se manifeste.
    Que Maria, Nossa Mãe, nos ajude, a entrarmos no silêncio do nosso coração, e confrontar a nossa vida, com o projeto de vida que o Senhor tem para nós, conduzindo-nos para a nova vida, para a mudança, para a felicidade.
    Que Jesus nos dê a graça de silenciarmos para escutarmos a voz de Deus Pai.
    Rita Elisa, mais uma vez, com sua experiência, pude crescer um pouco mais espiritualmente!!!

    Obrigada por partilhar seu retiro de silêncio!!!

    Forte abraço!!!

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  3. Silvinha, você é uma ótima amiga, companheira das palavras. Se existe algo bom nessa nova tecnologia chamada Internet é o ato de fazer e se tornar amigo. Beijos

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  4. Incrível sua experiência !
    Que aprendizado maravilhoso...

    Beijo

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  5. Foi mesmo incrível, Flora. Algo que ficou em mim durante uma década e só agora consegui colocar no papel. Beijos, felicidades e a paz!

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